quarta-feira, 15 de julho de 2015

E eu, o que tenho a ver com isso?





O que você faria com aquela safada, perguntou a mulher que fora traída.
- Eu daria um belo de um chute.
Respondeu sua amiga.
- Já eu a seguraria pra você chutar, querida.
Completou a irmã da mulher traída.
- Bem, eu a levaria para o mar e colocaria sua cabeça dentro d’água até ela implorar por perdão, sugere outra.
Depois de toda essa conversa, a prima da mulher traída dá um chacoalho e trás todas de volta a civilidade.
- Nossa! Como somos más!
A verdade é que nenhuma delas realizaria de fato todas essas torturas, ninguém desse grupo de garotas teria coragem de fazer quaisquer desses atos.
Mas não se enganem, elas não cometeriam tais atos por serem pessoas boas, mas porque no momento em que surge o pensamento animalesco de revidar, vingar, destruir, matar, agredir, entra em cena o superego.
Superego é uma estrutura mental designada por Freud, que “tem a função de conter os impulsos do id. Suas regras sociais e morais não nascem com a gente: nós a aprendemos na sociedade para que possamos conviver nela corretamente”.
O id, por sua vez, é o impulso, o animal dentro de nós “responsável pelos nossos impulsos mais primitivos: as paixões, a libido, a agressividade”.
O superego, como dito anteriormente, é responsável por barrar o id, é o que nos faz conviver bem em sociedade.
Para convivermos bem em sociedade, devemos ser civilizados. Civilizado deriva de civile, aquele que habita na cidade.
O contrário de civilizado é o bárbaro. Bárbaros são guerreiros que vivem em tribos distantes da cidade (civile), são brutos, cruéis e belicosos.
Bem, toda essa embromação para falar sobre nós, os seres humanos.
O que de fato somos sem máscaras e formalidades, conforme Freud, apenas um bando de bárbaros. Uns animais racionais, mas animais. Que pensamos coisas bárbaras, mas por sermos civilizados e convivermos bem, termos boa reputação, reprimimos e domamos esses pensamentos.
Porém, há quem seja bárbaro e não necessariamente viva em aldeias ou tribos. Há “civilizados” em aldeias e “bárbaros” na cidade.
Nas redes sociais observo muito do animal emergindo. A rede social é uma espécie de máscara. Ninguém o conhece, ninguém o condena. É apenas um perfil falso, um fake e deles saem as maiores ‘barbaridades’, desde as “aceitáveis” até as nem tão aceitáveis assim.
- negros voltem pra senzala!
- gays voltem pros armários!
- mulheres voltem pra cozinha!  
(suavizei)
Ou então aqueles que acham que a solução para melhorar a sociedade seria uma higienização social, tal qual já fez Hitler e muitos outros também.
“bandido bom é bandido morto” bradam com uma convicção vinda sei lá de onde. Talvez do seu animal mais íntimo, e com aval de outros muitos.
O “cidadão” de bem linchou o bandido até a morte. Ele confundiu, não era bandido. Quem é bandido agora?
A verdade é que estamos recebendo uma avalanche de máximas desse tipo, quer seja nas redes sociais quer seja nas ruas em forma de violência gratuita.
A emoção e o instinto falam mais alto. “manda prender esses bandidinhos”, “e se ele estuprasse sua filha” fala a voz da emoção, da vingança. “Joga pedra na Geni, joga bosta na Geni, ela é feita pra apanhar, ela é boa de cuspir, ela dá pra qualquer um, maldita Geni”.
O que diferencia o civilizado do bárbaro, entretanto, é o uso da razão. Só através do raciocínio lógico, crítico e autocrítico é que se pode conter impulsos e trazer a tona uma visão holística, uma visão do todo e não só das partes.  Descartes disse: Muitas vezes as coisas que me pareceram verdadeiras quando comecei a concebê-las tornaram-se falsas quando quis colocá-las sobre o papel.
A indignação é justa, mas não se resolve com ódio. O problema de segurança não se resolve com vingança. A discriminação com as classes minoritárias não irá acabar só por que você finge que ela não existe.  O respeito mútuo só é possível com civilidade. E o mal não precisa de plateia.



P.S. Quando lerem “animais”, por favor, não pensem em seus cachorrinhos saltitantes e seus gatinhos manhosos. :D