Eu nunca tive o hábito de ler. A literatura surgiu em minha vida praticamente no fim da adolescência por influência das amigas. Mas desde que tive o primeiro contato com a imensa dimensão do mundo literário, me apaixonei, lia o que tivesse. Gostava de algumas leituras e de outras mais ou menos. Mas sempre lendo.
Tenho até hoje anotações dos livros que li na minha adolescência, livros clássicos que pedia emprestado na biblioteca. Não, nunca foi exigência da escola para o vestibular, na minha época a escola não estava atenta a esse detalhe.
Quando engravidei de Mariana, devido ao cansaço próprio da gravidez, praticamente parei de ler. Depois que ela nasceu então, não li mais nada. Depois de uns dois anos, fui voltando aos poucos.
Parar esse tempo me fez experimentar a secura da vida normal e cotidiana do adulto, costumo brincar dizendo que sai da adolescência quando Mari nasceu. Talvez tenha sido isso, abandonei um pouco da inocente viagem que fazia através da leitura.
Com a pandemia, a secura aumentou significativamente, era realidade nua e crua demais para uma pessoa um tanto pessimista e sonhadora ao mesmo tempo.
Em 2022 quis forçar voltar o hábito da leitura colocando uma meta de 12 livros por anos. Desde então não parei mais. De lá pra cá a minha cabeça rodopiou varias vezes. Mergulhei em reflexões do mais profundo âmago, com Clarice Lispector, enxerguei por olhos e vivências que não eram minhas e chorei com Conceição Evaristo, dei risada com humor de Douglas Adams, viajei pela segunda guerra mundial por olhos que não podiam enxergar com Anthony Doerr, me revoltei e me entristeci com a visão de mundo de Byung-Chul Han, aprendi um tanto de escuta com Platão e outro tanto de estoicismo com Sêneca, Marco Aurélio e Epicteto. Lembrei-me da realidade sertaneja/agrestina em que coexisto e que permeia minha vivência e meu jeito de estar no mundo com Graciliano Ramos. Fiquei encantada com a pesquisa sobre feminismo de Valeska Zanello, conheci o percurso que fez Simone de Beauvoir até chegar a ser precursora do feminismo e da filosofia existencialista, viajei para história política do Chile com um romance de tirar o fôlego com Isabel Allende e por fim redescobri com Rosa Montero que estar lúcida demais não é nada saudável para quem tem um espírito de viajante.
As pessoas mais práticas devem se perguntar: mas esses livros serviram para o que? Qual foi o rendimento obtido? Ajudou profissionalmente? Ajudou pessoalmente? Afinal, tudo que fazemos deve ser monetizado não é? Pois bem, não é pra ter serventia, inclusive algumas leituras me tiraram até o prumo das ideias. A leitura é para viajar para além de mim e conversar todo dia um pouquinho com essas mentes geniais, e me ensinar a não me contentar com a secura da vida, e abenxergar um certo charme em tudo, em observar o mundo de tantas lentes. E saber que temos uma espécie de refúgio, uma Pasárgada onde você é amiga do Rei.
